quarta-feira, 9 de abril de 2014

UMA CRÔNICA DE MIM.


Sempre gostei de palavras e mais ainda de saber quem elas eram.
Uma perseguição curiosa que me cercou a vida de lindos dicionários de capa dura e milhares de folhas amareladas pelo tempo.
Latim, Português...Palavras.
Sabê-las era uma necessidade, me acalmava a alma.
E fui ficando sabida de palavras, todas formavam uma armação segura onde eu podia tecer em paz meu mundo particular.
Porque o outro, o mundo impessoal, me diz pouco, nunca achei em dicionário uma palavra que pudesse expressar a estranheza que me causava esse outro mundo de fora.
E nessa trama de fios, fui devagar percebendo que prefiro os fios que o tempo guardou em seu novelo de restinhos e nós, iguais aos que a mamãe fazia com os cordões que costuravam os sacos de açúcar,ela  ia emendando um a um e formava gordo novelo arrepiado de nózinhos.
Cada vez mais tenho me conscientizado do meu amor por esse novelo de fios amarelecidos.
Percebi que entre todas as coisas que há, prefiro as antigas, minha cunhada chama minha cozinha de museu da vida em família, pois que aqui convivem placidamente, panelinhas de ágata, xicrinhas sem pires, bule da tia Cida, tem ainda o lindo vidro de palmito Ivaí, que a mamãe sempre guardava erva mate, e eu guardo ainda hoje, a colherinha de pau lascada que a vovó Isoldina usava para mexer o mingau.
Coisinhas assim, inumeráveis.
A magia do som da dobradiça do guarda-louça se abrindo?! Perece que a mamãe vai aparecer na cozinha e dizer pra mim:- menina, não deixa a porta do guarda louça aberta.
Tudo é infinito, quando o tempo permeia nossa vida com seus objetos de família.
Ontem descobri uma descoberta daquelas! Meu segundo nome, pois que me chamo Cláudia Sebastiana, significa algo tão...tão...eu me ri solta a pensar bolinhas... linhas.
Linhas pra dizer coisas que foram saindo de mim assim tão espontaneamente...ri-me a solta.
Eu sou mesmo Sebastiana. isso é fato. Talvez tanto quanto Cláudia.
Sebastiana ( do meu anjo da guarda dos dicionários, Caldas Aulete)" Apego as coisas antiquadas, doutrina do passado" Ilustrando com frase pomposa de Antero de Figueredo, escritor português: " obsessão devota, criando nos peitos lusos um sentimento novo, feito de saudade e esperança, patrióticas"
Pois é, né...
Mas algo ainda pinicava dentro de mim, um comichão questionador, indizível.
A dúvida persistia, mesmo sem um nome.
E hoje assistindo a um documentário sobre o livro 1984 de George Orwell, escutei tonitroante a resposta à muda pergunta.
Gosto de xicrinhas velhas e escuto nesse momento doce melodia de Beethoven em fita K7, costuro numa máquina Singer de pedal, e coisas do gênero, porque isso é o meu grito de liberdade, e minha expressão mais pura de autenticidade.
Certa vez aos 16 anos de idade, plantei uma árvore como projeto da escola( estávamos no regime militar), podíamos dar um nome para nossa árvore e eu dei, a minha só poderia se chamar LIBERDADE.
Porque é assim que vejo sentido em existir, literalmente bem ao estilo Victor Frankl. Sem isso a vida perece por falta de sentido.
Persigo assim essas liberdades doces, amo minhas latas antigas, meu tachinho de cobre, meu chale de crochè, a carretilha de costura da mamãe, a latinha de anzol do papai e meu estojo escolar que o vovô Estázio concertou a tampa artesanalmente,
Perseguirei eternamente a liberdade de usar minhas mãos para enfeitar meu mundo e tecer em fios preciosos e eternos a doçura de ser EU.
É tudo que eu posso ser.
É irredutível e indevassável. Meu mundo sebastião, que cai e levanta em seu Claudicante passo, mas que enfim sou eu, que também já vou ficando velhinha como minhas relíquias domésticas.
É
de fato um mundo Sabastião cheio de palavras...e silêncios...

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